9.8.13

Converti-me religiosamente ao som da chegada do mar. Ouço-o de olhos fechados, nesse vai e vem, repetido, sádico, que me faz sentir que estou encostada à tua camisola salgada à tua espera, desejosa por te beijar, por beijar a tua pele doce de mar e areia. Lembro-me das vezes que me levavas à praia, religiosos momentos nossos. Ficávamos a ver o sol a bater nas ondas. Ficávamos a contar grãos de areia, e pensaríamos nós que os contaríamos todos, e quando esse dia chegasse, saberia quão grande era o teu amor por mim. O tamanho do meu já sabias, e sabia a mar, esse mar que chegavas a abraçar pelas ondas, durante esse teu desporto favorito. E ficava a ver-te a deslizar sobre ele. Não me importava de ficar a ver-te a tarde toda, a manhã toda ou o dia todo. Nunca me importei nem me importava mas deixaste que eu me importasse.
Sinto a espuma a molhar-me os dedos dos pés. Muito discretamente ela vem, muito tímida, e vai. Quando sente-se mais solta, chega a molhar-me o pé todo. Mas parece arrepender-se de ter tocado tão longe e volta a chegar-se, aos poucos, tímida, vezes e vezes. Tu não eras assim. Tu chegavas do mar, desapertavas o fato e deitavas-te sobre mim, deixavas-me sentir a tua pele salgada cheia de amor e sal. Acabavas sempre por ter um tom dourado teu, o ano todo, e o cheiro a carvão das tuas mãos fundia-se com o sal do resto do teu corpo. E eu ficava ali, por baixo de ti, por baixo do teu peito ofegante, a sentir o teu amor quente e salgado, só meu.
O mar chama-me sempre, diz-me sempre para tu voltares, para te chamar. Afinal não era só eu a tua sereia apaixonada. Deixaste no mar uma saudade de ti, das tuas mãos grande e da tua pele. Mas tu não voltas. Nunca voltaste. Deixaste-me só, à tua espera, nessa praia onde barco nenhum mais pode atracar. Deixaste-me como mulher à espera do seu pescador, depois de uma longa tempestade atravessada. Nunca mais veio a paz e o mar nunca mais te avistou.
Assim, o mar fala-me sempre de ti. Afaga-me as lágrimas no meio do seu sal e diz-me que um dia sempre voltarás. É isso que eu ouço nas ondas do mar. É por isso que elas batem na minha praia. Batem, mas dizem nunca poderem ficar.

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