17.5.14

Se prestares atenção, eu vou lá estar. Se sentires com minúcia vais reparar que sou eu que lá estou, que sou eu que te abraço todas as manhãs no quentinho da tua cama, enquanto ainda teimas em sair para o frio do novo dia; que sou eu que sentes no frio do chão com os pés nus enquanto caminhas pela casa, à espera que consigas abrir mais um pouco os olhos. Se conseguires ver além dos teus dedos, sabes que sou eu que me escondo por trás das cortinas, a vigiar-te enquanto tomas banho e se envolves no doce perfume do gel de banho. Se sentires as palmas dos teus dedos, sabes que em cada pedra das paredes da rua que fazes todos os dias debaixo do nosso sol ou das nossas gotas de chuva, sentes-me a mim, em cada risco e mágoa gravados naquelas paredes. Vês-me nos beijos roubados e nas corridas pela rua fora; vês-me nas mãos dadas por baixo da chuva e das línguas a saber a água e ao perfume da tua pele. Sou eu quem vês. Do outro lado, à tua espera, mas sem esperar demais. Deveria ter esperado mais? Estou lá, sem te dizer que estou, mas sabendo que sabes que estou, que sentes que estou. Em cada nuvem desenhada no céu. Em cada almofada fora do sítio na tua cama. Em cada raio de luz que teima beijar a tua pele e a queimá-la de paixão. Sou eu quem está lá e te beija todas as noites quanto já a tua consciência é nula e já te leva para longe de mim. Sou eu quem te toca ao de leve e te ouve gemer de saudade. Sou eu quem te ama. Se prestares atenção, eu nunca deixei que aqui estar. Eu nunca deixei de lá estar. Eu esperei, mais tarde esperei. O amor engana-se e desengana-se mas nunca deixa de amar. O meu amor ama-te. Se prestares atenção, o meu coração vai lá estar, de joelhos, por ti a implorar. Eu estou sempre lá. Eu estou sempre em ti.

Do teu.

A carta que não querias receber.

(Pois não.)